quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O bom selvagem desempregado


Se os telejornais de Natal fossem bolos-rei (admito que seria estranho mas o blog é meu), as notícias sobre o desemprego seriam o brinde: enquanto saboreamos as notícias sobre o sucesso sem precedentes da loja de roupa da senhora Lucília em Santa Comba Dão, que este ano já vendeu duas blusas (ainda que à mesma pessoa a quem o fornecedor as roubara), e engolimos o fruto cristalizado da reportagem da TVI sobre a nova tarte de maçã da pastelaria do Chico Almiro (que se assoa às mangas da camisa e bate punhetas na farinha), eis que surge a inevitável entrevista à Dona Patrocínia, de súbito e em plena época de consumismo desregrado confrontada com a suprema ironia onomástica de se ver sem apoio financeiro, partindo-nos a cremalheira da boa disposição toda sem aviso, qual característico Santo António de titânio reforçado que surge sempre na primeira dentada da última fatia do bolo-rei e nos fura o Céu da boca como se não aguentasse mais as saudades de casa.

Depois desse pungente relato sobre a injustiça que foi ter sido despedida da fábrica em Beja onde polia rodas de tractor há 40 anos, eis que surge o recém-licenciado em Engenharia Aeroespacial (desempregado) a queixar-se deste Governo (pá) que injecta milhões e milhões em aeroportos e TGV’s mas que se recusa a fornecer bolsas aos jovens para a construção de propulsores termonucleares capazes de acelerar uma estação de observação extraorbital de 5000 toneladas a Mach 30 em 13,25s, de modo a que Portugal pudesse, finalmente, deixar de depender de importações para suprir as suas necessidades mínimas de fotos paneleiras de galáxias e estrelas catrapiscantes. E não contentes com o desabafo ainda continuam, queixando-se de que para ganharem a vida numa área não muito distante dos seus interesses tiveram de ingressar na indústria do brinde de bolo rei, que ao menos utiliza na manufactura o mesmo material dos escudos térmicos do Space Shuttle.

Por fim, vem ao microfone o incontornável trintão que é caixa do Pingo Doce desde que se licenciou há 10 anos, porque Portugal não sabe valorizar o capital humano formado em Estudos Comparados Ibero-Hindus, com teses em Diplomacia Ecuménica Humanístico-Bovina ou sobre a Revolução Industrial na Índia – do Caril ao Carril.

Enfim, notícias destas não deixam de deitar um gajo abaixo, e nos dias antes e depois do Natal fui bombardeado com elas ao jantar quase com a mesma pujança e frequência com que me imaginava a ejacular no cabelo da minha prima boazona sentada do outro lado da mesa na noite da Consoada, por acaso também desempregada (porque quer, pois há sempre lugar para mais uma puta). Foi nesse momento, com a boca cheia de bolo, que eu disse finalmente “há hega”.

Pus-me a pensar no assunto durante longos minutos enquanto cagava (satisfeito por não ter sido eu a engolir o brinde este ano) e eis que entre a bruma pós-digestiva vislumbrei a solução definitiva para o problema do desemprego em Portugal. Puxei o autoclismo as vezes necessárias até convencer o Sebastião a desaparecer na treva gorgolejante do cano e vim para aqui escrever. Gostaria de prolongar esta espécie de prefácio um pouco mais de modo a criar suspense antes de revelar a minha magistral ideia mas como já falei na prima boazona fiquei sem saber bem como fazê-lo. Além disso, a minha resolução do ano novo foi passar a divagar menos. Mesmo porque divagar é gay, ou pelo menos parece-me ser o que diria um paneleiro cabo-verdiano a ser enrabado pela primeira vez. É verdade, ouvi dizer que os paneleiros agora também podem casar. E falando em ouvir, para quem não sabe, o ouvido humano é uma cena do caralho. A minha teoria é que o pessoal que inventou os nomes das partes internas do ouvido estava ressabiado por ter ficado com esse trabalho de merda e pôs-se a inventar as idiotices mais aleatórias que lhes vinham à cabeça. Provavelmente hoje estarão desempregados também.

Bom, onde ia eu? Já disse a piada da prima… Sim, a solução para o desemprego. Encontrei-a. E encontrei-a onde? Não, não foi nas tetas da mãe do leitor, não obstante a busca ter sido longa e minuciosa, mas sim na terra do seu paizinho biológico. Exactamente: no Brasil.

Como toda a gente que já viu televisão num Domingo de manhã sabe, a selva brasileira está infestada de pelintras índios com pratos na beiça que não fazem a ponta de um corno de manhã à noite (excepto, claro, quando enfiam o caralho num). Ora, o que é interessante é que se verifica não só que estes gajos não fazem nada como há leis que velam para que assim seja. Falo, claro, do Estatuto do Índio, revisto há relativamente pouco tempo pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) para que agora passem a fazer ainda menos.

O que eu proponho, então, é a criação de uma fundação homóloga à FUNAI em Portugal: a FUDERT (Fundação dos Desempregados que se Recusam a Trabalhar), que seria uma espécie de sindicato dedicado a proteger a riqueza histórica e cultural única do desempregado - a versão portuguesa do índio -, promovendo a criação de reservas onde o desempregado poderia viver livre, de acordo com as suas próprias tradições e sempre contando com o apoio e protecção do Estado. Numa fase em que o desemprego só vai é crescer, é sem dúvida um caso a considerar por todo o adulto responsável que não seja adepto do cu com pêlos.

Não é tão rebuscado como parece. Vejam, primeiro, a definição de índio de acordo com o supramencionado Estatuto, no art. 8º, II – ‘Índio, o indivíduo integrante ou proveniente de uma comunidade indígena, com a qual mantém identidade de usos, costumes, tradições e é por seus membros reconhecido como tal’. Alguém pode negar que isto se aplica com total exactidão ao desempregado? Mais, considere-se o ponto III desse mesmo artigo: ‘Organizações Indígenas, as associações ou sociedades civis, sem fins lucrativos, integradas exclusivamente por índios, para defesa dos seus interesses e dos interesses da comunidade indígena’. Bom, a não ser que alguém negue que o desemprego é uma actividade sem fins lucrativos esta definição também cai que nem uma luva. Ou conhecem alguém que tenha ido para desempregado para enriquecer, tendo em vista que fazer broches nas áreas de serviço conta como part-time?

Se Portugal adoptasse um Estatuto do Desempregado em moldes semelhantes acabava-se o problema do desemprego de uma assentada. Ou melhor, deixaria de ser um problema. Voltemos ao Estatuto do Índio, art. 2º - ‘Aos índios, às comunidades e às organizações indígenas se estende a proteção das leis do País, em condições de igualdade com os demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta lei’. Substitua-se “brasileiros” por “empregados” e estarão garantidas as condições mínimas de subsistência aos desempregados. Bastaria atribuir-lhes uma espécie de pensão de sobrevivência vitalícia suficiente para manterem os putos num nível de miséria suficientemente elevado para ser considerada exótica. Só assim se poderá salvaguardar a igualdade de direitos deste povo sem interferir com o ócio tradicional da sua cultura.

Mas as vantagens da proposta não se ficam por aqui. Atente-se ao art. 5º - 'A política de proteção e de assistência aos índios e às comunidades indígenas terá como finalidades: VI – promover junto à sociedade brasileira a compreensão, a aceitação e o reconhecimento dos índios e de suas comunidades como grupos etnicamente diferenciados, respeitando suas organizações sociais, usos, costumes, línguas e tradições, seus modos de viver, criar e fazer, seus valores culturais e artísticos e demais formas de expressão’. E com isto acabava-se com a discriminação dos hippies, rastafaris, góticos, motoqueiros tatuados, putas cheias de piercings, gajas com t-shirts do Edward Cullen e pretos fodidos não muito dados a tomar banho. Numa palavra, acabava-se com a ostracização do cronicamente desempregado. Em vez de falta de higiene e de olhos na cara, estes e outros casos passariam a constituir um belíssimo património cultural a preservar. Estou convencido de que a grande luta contra a discriminação do século XXI será a do desempregado contra a tirania laborocrática em que vivemos. Disso tenho a certeza, mesmo porque é a opinião unânime dos desempregados meus conhecidos que, por definição, não podem laborar em erro.

Mais importante ainda, no mesmo artigo, IV – 'garantir aos índios e às comunidades indígenas meios para sua auto-sustentação, respeitadas as suas diferenças culturais; V - assegurar aos índios e às comunidades indígenas a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e de subsistência'. Tal como a Cristianização dos povos indígenas aquando dos Descobrimentos é hoje vista como havendo sido uma forma de opressão e de aniquilação cultural, assim também o é actualmente a Empregação. Hoje temos técnicos de RH em vez de padres, é certo, e o instrumento da conversão deixou de ser a Bíblia e passou a ser a caderneta de recibos verdes, mas o princípio é o mesmo. Padre ou empregador, batina ou fato e gravata, tanto faz: o poder opressivo do colarinho branco não mudou. O que o Empregador quer fazer hoje ao desempregado, na essência, continua a ser o que faziam os missionários ao índio. Com o novo Estatuto, o desempregado ocioso estaria legalmente protegido contra qualquer tentativa de assimilação colonialista para sempre, e poderia sustentar-se como até aqui sempre sustentou, desde tempos ancestrais: através de subsídios. A verificar-se, isto seria, em dialecto desempregado, "mesmo fixe e quê, bráda".

E onde se situariam as reservas oficiais do desempregado português? Bom, isso também estaria previsto na lei, se a adaptássemos à situação nacional. Voltando ao Estatuto, art. 16º, I – ‘Integram o patrimônio indígena: os direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a posse permanente dessas terras e das reservadas’. Ora, as terras tradicionalmente ocupadas pelos desempregados portugueses, como é óbvio, são os centros de emprego e respectivas zonas limítrofes, onde os mancebos vão para se fazerem homens e os anciãos para morrer. Segundo esta lei, portanto, cada centro de emprego tornar-se-ia uma zona demarcada protegida para exclusivo usufruto do luso-desempregado. Isto seria de importância vital porque as planícies dos centros de emprego são dos poucos sítios onde o emprego ainda corre livre em Portugal. Outrora espalhava-se um pouco por todo o território nacional, com uma zona de pasto que se estendia do interior-Norte do País ao próprio Algarve. Porém, com a crescente urbanização, a população de empregos em liberdade foi-se tornando cada vez mais reduzida e os poucos que restaram tornaram-se frágeis e precários. Acresce a isto o facto de que com os grandes empregadores a cometerem falcatruas sistematicamente e a serem presos por isso o emprego diminuiu ainda mais, uma vez que não se reproduz em cativeiro.

Note-se, contudo, que não é intenção do desempregado aniquilar as oportunidades de emprego apropriando-se delas. A caça ao emprego (sendo este actualmente uma espécie em vias de extinção e, por isso, protegida), está sujeita a severas restrições. É por isso importante referir que não é intenção do desempregado exterminar o emprego, que é sagrado na sua cultura, mas apenas caçá-lo de acordo com as suas tradições ancestrais para devolvê-lo de imediato ao seu habitat natural.

Acho que a ideia não é má de todo mas que cada leitor julgue por si próprio. Em todo o caso, lembrem-se: todos nascemos bons e desempregados - é o emprego que nos corrompe. Unidos, conseguiremos salvar o desempregado e o seu modo de vida. Se todos arregaçarmos as mangas e ajudarmos a FUDERT com a máxima força de que cada um de nós for capaz, sem parar nem que corra sangue, talvez haja esperança para que quem não trabalha neste nosso País possa viver sem pressões para abandonar as suas raízes, já bem entranhadas no sofá, logo abaixo das caricas de cerveja, Ruffles de anteontem e brindes de bolo-rei.

2 comentários:

  1. Proponho também a criação da fundação FODA - Filósofos Ociosos Desocupados Anónimos.

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  2. É boa idea mas ia dar muito trabalho...

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