segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O Filósofo Priapista vs. O Requerimento é Idiota


Tinha um post espectacular planeado para esta semana. Não estou a brincar, era mesmo uma coisa do outro mundo e até já estava mais ou menos escrito. Tinha de tudo um pouco: acção, suspense, mistério, violência gratuita e penetração contra-natura e contra-vontade. Imaginem, pois, o quão fodido fiquei quando descobri que teria de adiar a publicação do mesmo para data incerta. Tudo por causa de um post (e respectivos comentários, salvo raras excepções) que li recentemente num conhecido blog de enrabadores da 3ª idade da Faculdade de Direito de Lisboa, que dá pelo nome de O Requerimento é Idiota – e que no apelido não deixa dúvidas: enquanto filho intelectual, tem a quem sair. Tentei ignorá-lo e concentrar-me na elaboração do post que tinha planeado sem pensar mais no assunto mas era como estar à rasca para cagar e estar alguém sentado de pau feito na única sanita disponível. Na situação em que me encontrava, como na desta brilhante metáfora, não haveria como contornar o problema – seria necessário desviar primeiro o empecilho do caminho antes de me sentar, não fosse o ingénuo cocó deixar-se enganar e seguir pelo caminho errado para onde apontava o pénis intruso, esfíncter acima, até chegar ao cérebro, onde encontraria a memória da merda do post que li, o que poderia causar que eu, intoxicado pelo cheiro metafórico e literal resultante deste encontro, viesse a concordar com as copro-opiniões das mentes jurídicas que acharam por bem alvitrar sobre o assunto. Uma vez que não posso permitir que tal aconteça, não tenho como escapar. Eu, Príapo, ardina do mau gosto, arauto do que ninguém quer ouvir, a jusante do ordinário e a montante da tua mãe, que já expus doutrina sobre comer abortos e pontifiquei sobre formas de espancar mulheres impunemente, vejo-me hoje forçado a descer a níveis nunca antes vistos, qual Dante sem Virgílio, até às profundezas abjectas da mediocridade dos nossos futuros advogados e juízes, onde cessam toda a Razão e Digestão. Pois bem, se assim ordena o Destino, não vacilarei. Cá vai alho.

Versa o tal post sobre a notícia do Público do iminente julgamento do ex-guarda das SS, John Demjanjuk, de 89 anos, suspeito de ter passado por perto de uma câmara de gás onde foram exterminados 27.900 judeus sem parar nem chamar uma ambulância. Para os que não sabem, este julgamento representa mais uma vitória do projecto “Operation: Last Chance”, em torno do qual se juntam vários governos e que tem como objectivo fazer a folha a criminosos de guerra nazis que por piada divina ainda respiram (se bem que na maioria dos casos por um tubo). Ora, argumentam o bloguista e a maioria dos comentadores que é uma estupidez julgar-se um velho decrépito que se 'baba e mija, num estado tão débil que tem que ir de cadeira de rodas e maca para o tribunal'. De facto, que coração de pedra pode ficar impávido perante a pungente história de um genocida de tal modo doente que tem de ser transportado numa maca de cadeira de rodas e tudo? Mas o argumento da velhice é apenas um. Existem outros, ainda que na sua construção dignos do próprio nazi considerado demasiado senil para ser julgado.

O autor do post chega ao ponto de dizer esta maravilha: 'Se tanto a América e a Rússia fecharam os olhos ao absorver cientistas e know-how tecnológico do Reich, se se fechou os olhos à questão ética envolvendo o uso de estudos médicos nazis que vitimaram centenas de pessoas, porque é que não deixam simplesmente esta pessoa, que nada mais é que um débil velhinho às portas da morte, morrer sem ser um centro de atenções mediático?'. Ou seja, traduzido, o que este gajo está a dizer é que se fez tanta merda no tempo dos nazis que não vale a pena parar agora, quando já lhe estamos a apanhar o jeito. Mas repita-se, é só 'um débil velhinho', deixem-no lá ver as novelas e dormir em paz, coitado. De qualquer modo está na altura dos judeus pararem de ser queixinhas, 'já passou mais de 50 anos, não podem ser vítimas para sempre'. Esta última frase então deixou-me completamente biruta… Será possível que nos dias que correm um estudante universitário, ainda por cima de Direito, com a exuberância quase tropical de livros e ensaios publicados sobre o Holocausto e a ferida aberta que deixou na comunidade judaica, não veja que os verbos em Português concordam com o núcleo do sujeito em número e pessoa, e que a forma correcta é “passaram mais de 50 anos?”

Outro diz 'o que está a ser julgado não é o mesmo que cometeu os crimes'. Este incisivo argumento filosófico pelo qual é posta em causa a própria natureza da identidade por acaso até dá que pensar, mas falha na medida em que se formos ver fotografias do gajo quando era mais novo e subtrairmos as rugas veremos que de facto não há dúvida, era mesmo ele que lá andava a azucrinar a vidas aos meninos judeus, a meter-lhes cianeto na sanduíche de mortadela e a roubar-lhes os dentes de ouro no recreio quando o senhor ditador não estava a ver, como o bom malandro que era. Também coitadinho, era puto, sabia lá se era lícito ou não... Nestas coisas ninguém nasce ensinado. Todos os meninos da idade dele fumavam e exterminavam, ele tinha medo que não brincassem mais com ele se não fizesse o mesmo. De qualquer modo os cigarros e judeus fumados já ninguém lhe tira, mais vale deixar de bater no velhinho. Não é? Cambada de atrasados mentais, fazem-me ter pena de não haver óculos para a miopia moral. Levava-vos já à Multiópticas, comprava-vos uns bifocais com armação em massa e enfiava-vo-los pelo cu adentro. Eu sei, eu sei, armações em massa são caras... Mas não se preocupem. Na Multiópticas, como pelos vistos na FDL, o desconto é igual à idade.

Não vou percorrer os argumentos todos que foram apresentados, são ridículos demais para serem levados a sério. Faço apenas uma pergunta: e se em vez de um velho de 89 anos com um apelido impossível de pronunciar fosse um de 120 com um mais familiar, como Hitler? Se estivesse vivo, valeria a pena julgá-lo, correndo o risco de se estar a julgar apenas um simpático avôzinho de curioso bigode? Em jeito de exercício experimentem lá dizer que não, só por piada, para ver qual é a sensação. E depois digam-me em que é que esse caso difere do de ex-SS.

Talvez me digam que o argumento falha por haver uma diferença fundamental: os oficiais nazis – pelo menos alguns – não tinham escolha senão cometerem os crimes que cometeram precisamente por medo de Hitler e do regime que ele encabeçava, no qual a desobediência podia implicar a morte. Pois bem, é possível que assim seja, mas sobreviver à custa das vidas de dezenas de milhares de pessoas implica a contracção de uma dívida para com a Humanidade – e aqui sente-se o cheiro a ironia do destino porque a Humanidade, no que respeita a dívidas, é pior que um agiota judeu. Enquanto os que foram mortos continuarem mortos a dívida mantém-se, independentemente do criminoso ter 90 anos, 100 anos, cancro, SIDA, lúpus, diarreia, acne, cólicas renais, herpes genital, aftas crónicas ou brotoeja no cu. Será que não percebem mesmo? Não é só pelas vidas que contribuiu para ceifar que este gajo tem de pagar, seus tansos. Está em dívida também por todos os dias que viveu livre desde então, pagos com os de milhares de outros que nunca vieram a ser e sem os quais não teria chegado a ser o velhinho amoroso que é hoje. E acima de tudo, para que uma mácula indelével identifique enquanto houver memória o nome de todos aqueles que a dada altura chamaram alguém pelo número. A vossa ideia, suponho, seria mandar a malta nazi toda para uma espécie de lar do 3º Reich (qualquer coisa deste género, com todas as condições e dignidade), onde os ex-guardas de Auschwitz, incontinentes e senis, poderiam viver o resto das suas vidas embrulhados num xaile vermelho a ver repetições do Allô, Allô de mau humor. Pois é, não me parece que vá acontecer. Para a maioria das pessoas, felizmente, "genocida" ainda tem predominância sobre "geronte".

Dizem-me que já não faz sentido julgá-lo porque o crime foi há 60 anos. Enganam-se, energúmenos estudantes de Direito, é muito mais recente do que isso. O crime aconteceu hoje de manhã, quando ele acordou impune uma vez mais.

5 comentários:

  1. É quase tão mau como dizer que o Polanski, que andou a enrabar um puto de 13 anos há uns anos, agora devia ser deixado em paz, até porque, argumentam, o miúdo é agora um homem feliz. Ora se ele é feliz porque é que se queixou? Pra ser mais feliz ainda? Não me atirem com areia para os olhos que essa merda arranha...

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  2. Porra, não me lembrei dessa... É por essas e por outras que Sensei Peixoto é o maior.

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  3. É por posts como este que me orgulho de ti... Quando penso que não podes descer mais, apanhas o elevador e surpreendes-me. Para ti não há limites. É por essas e por outras que me orgulho de ser teu pai...

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  4. gostei de ler... para além disso concordo!e digo ainda que considero o post em discussão bizarro.

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  5. Não concordo com a pena de morte para o velho de 90 anos. Deviam torturá-lo até ele implorar que o matassem, quando sentisse que a morte seria um alivio, então sim, anunciava-se a execução para o dia seguinte. Mas quando o velho nazi estivesse de olhos fechados a pensar que iria ter direito ao descanso eterno, anunciava-se que a decisão fora adiada, pois um aluno da FDL entregou um requerimento inútil com argumentos pseudointeligentes escritos pelo seu professor consumista do séc XXI

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